CAROLINA IDEIAS GRANDE VENCEDORA DO CONCURSO HISTÓRIA MILITAR E JUVENTUDE’2024
Atualizado em 31/07/2024O Presidente do Município de Monforte, Gonçalo Lagem, congratulou-se com a atribuição do 1º Prémio do Concurso “História Militar e Juventude’2024”, no grupo C, referente ao Ensino Secundário, à jovem monfortense Carolina Coelho Ideias, aluna do 12º ano na Escola Secundária de São Lourenço, em Portalegre, com o trabalho «A História de Chico e Maria», personagens inspiradas nos seus bisavós que, de sol a sol, trabalhavam arduamente no campo.
A adesão a esta edição do Concurso, subordinada ao tema “O 25 de Abril na minha terra”, foi recorde, com a participação de mais de 550 alunos e 55 professores de 48 estabelecimentos escolares, residentes em Portugal e em Timor-Leste.
Este concurso é realizado pela Associação de Professores de História (APH) e pela Comissão Portuguesa de História Militar (CPHM), em cooperação com a Comissão Coordenadora dos 50 Anos do 25 de Abril. Esta edição contou com os apoios do Plano Nacional de Leitura 2027, da Associação Nacional de Municípios Portugueses, da Associação 25 de Abril e da Liga dos Combatentes. É dirigido às crianças e jovens entre os 10 e 19 anos que frequentem o 2º ciclo, 3º ciclo e secundário (regular e profissional) das escolas em Portugal e das escolas portuguesas no estrangeiro e tem por objetivo fomentar o gosto pela História Militar de Portugal.
A cerimónia solene de entrega de Prémios realizou-se por videoconferência e, para além dos alunos distinguidos e respetivos tutores, contou com a participação da Secretária de Estado da Defesa Nacional, Ana Isabel Xavier, da Comissária da Comissão Executiva dos 50 Anos do 25 de Abril, Maria Inácia Rezola, do Presidente da Associação de Professores de História (APH), Miguel Monteiro de Barros, e do Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar, Major-General João Vieira Borges.
Na foto, a Carolina com o seu tutor o professor de História, Gonçalo Pacheco, a serem entrevistados pelo Major-General João Vieira Borges.
Assista à cerimónia aqui:
Transcrevemos na íntegra o conto da Carolina:
Este conto poderia ser sobre gente inventada, não fossem os acontecimentos terem ocorrido na vida real de muita gente, fazendo parte da história do nosso País há 50 anos.
Todos os anos têm um mês de abril e todos os meses de abril têm o dia 25. Mas o dia 25 de abril de 1974 foi um dia especial para os portugueses, tendo ficado marcado na história. Portugal viveu um antes e um depois do 25 de Abril de 1974. E não foi só a palavra e o sentimento de liberdade que ganharam outro significado.
A Guerra Colonial, que começou em 1961, opunha o Exército português aos guerrilheiros que lutavam pela independência dos territórios africanos que Portugal na altura governava: Angola, Moçambique e Guiné. O governo chamava a esses territórios «províncias ultramarinas» (porque estavam para além do mar) e afirmava que faziam parte de Portugal da mesma forma que o Minho ou o Algarve. Na verdade eram colónias, ou seja, países com populações e línguas próprias que no passado tinham sido conquistados e ocupados pelos portugueses. Mas o governo português da altura teimava em manter a posse das colónias, e por isso enviava para a guerra tantos e tantos jovens.
Chico e Maria, alentejanos, saíam todos os dias para trabalhar ao romper da bela aurora, com o seu rancho. Trabalhavam de sol a sol, nos campos. Ora na ceifa pela hora do calor, ora na apanha da azeitona mesmo debaixo de chuva, ora no regadio do tomatal. Sempre por conta dos patrões.
Quando descansavam, debaixo dos sobreiros e das azinheiras, pensavam nos filhos que tinham partido para o ultramar, depois de terem feito a recruta e terem sido mobilizados. A isso tinham sido obrigados. “Que Nossa Senhora os proteja” – pedia Maria na sua pausa, lamentando e criticando em voz baixa Salazar. “Cala-te Maria, olha a PIDE!” – reclamava Chico, porque naquele tempo não se podia criticar o governo. A PIDE era uma polícia política, com muitos informadores em toda a parte, que escutava praticamente todas as conversas e as pessoas que tinham opiniões contrárias ao Governo eram presas e, por vezes, torturadas.
Chico e Maria trabalhavam de sol a sol pelo seu Alentejo, na ceifa ou no tomatal… recebiam notícias de África por aerogramas, que eram lidos pela filha mais velha, Catarina, que tinha concluído a 4ª classe com distinção. Quisera ser professora, mas não havia condições e juntou-se ao rancho no dia seguinte a ter feito o exame. Ajudava a amassar o pão, que era cozido no forno do monte e servia de refeição no campo e em casa, numa açorda com poejos ou numas migas de tomate. Ajudava na horta e a tratar das galinhas, coelhos, porcos e borregos. Também Catarina vivia em sobressalto e receava pela vida do seu namorado, que também tinha partido o Ultramar. Recebia todos os dias, com alegria, um aerograma. Até ao dia em que deixou de receber notícias e ficou de luto, porque não veria mais o seu namorado, que acabou por morrer em combate.
Chico e Maria trabalhavam de sol a sol… os seus patrões não pagavam tão mal como outros, onde eles já tinham trabalhado, porque cada patrão pagava o que queria aos trabalhadores. Não sabiam fazer outra coisa senão trabalhar no campo, porque tinha sido esse o ofício que tinham aprendido, desde os 9 e 10 anos de idade.
Chico e Maria trabalhavam no campo, de sol a sol. Descansavam no dia de Carnaval, nos dias de Páscoa e Natal… e a guerra continuava. Os mortos eram já muitos. Havia vizinhos presos por estarem fartos e dizerem o que pensavam sobre a guerra e sobre o governo. Os filhos sobreviveram e voltaram da guerra, da selva de África, muitos não tiveram a mesma sorte… um chegou coxo, trazendo um tapete com tigres e outro chegou, meses depois, em silêncio – pouco ou nada dizia, ficava horas a olhar para fotografias a preto e branco… mazelas de uma guerra…
No monte ouviam-se as notícias num pequeno rádio, que trabalhava a pilhas e que estava junto ao lume, numa mesa iluminada por um candeeiro de petróleo. Só ouviam as notícias e as músicas que os serviços da censura permitiam, e as informações que chegavam pelo rádio eram passadas a pente fino, não fosse alguma música ser indicativo de revolta.
Chico, Maria e os seus filhos trabalhavam de sol a sol, por conta dos patrões e não sabiam que havia militares a organizarem um golpe de estado, para derrubar o governo, outrora eleito pelos homens. Porque apenas havia um partido e as mulheres só podiam participar nas eleições se tivessem concluído o ensino secundário.
Na manhã de 25 de abril de 1974, quando ligaram o rádio, antes de irem trabalhar, ficaram a saber que o Movimento das Forças Armadas (MFA), fundado por militares, resolveu derrubar o Estado Novo sem recorrer à força. Na calada da noite uma coluna de soldados, comandados por capitães, convenceram Marcelo Caetano a entregar-se. O golpe de Estado foi uma revolução pacífica.
Mas Chico, Maria e os seus filhos, foram na mesma para o seu trabalho, que a plantação de tomate não podia esperar… e trabalharam de sol a sol, sem perceber que muita coisa iria mudar.
Ouviram depois dizer, por vizinhos que tinham família em Lisboa, que o povo, muito feliz pelo sangue não derramado, nesse dia ofereceu cravos aos militares, que os colocaram nos canos das armas. Em vez de balas, que matam, havia flores por todo o lado, significando o fim da ditadura Salazarista e o renascer da vida. Também Chico e Maria ficaram contentes, a guerra terminaria, voltariam para casa os que ainda estavam em África. Continuaram a trabalhar, mas por sua conta.
Deixaram de ter patrões. Tinham o seu rancho de mulheres e homens, pagavam melhor e no fim da ceifa ofereciam um almoço aos trabalhadores. Compraram uma casita na vila. Os filhos deixaram o campo e foram para a cidade em busca de melhor vida e conseguiram. Os netos e bisnetos nasceram e cresceram num país livre. Três dos netos licenciaram-se e têm hoje a sua vida, sem as dificuldades de outros tempos – têm o seu emprego, uma casa e carro… um até emigrou, mas não têm que trabalhar de sol a sol no campo. Já não precisam ter medo de falar e expor as suas ideias, já podem namorar na rua e andar de mão dada. A liberdade não caiu do céu, conquistou-se. Os bisnetos e trisnetos ouvirão falar no 25 de Abril de 1974 e a eles lhe caberá preservar o que se conquistou há 50 anos atrás, porque afinal, Portugal viveu um antes e um depois do 25 de Abril de 1974 e não foi só a palavra e o sentimento de liberdade que ganharam outro significado.
FIM
Nota: Neste conto, qualquer semelhança com a realidade não é coincidência. Foi escrito com base na bibliografia, apresentada a seguir, e na história real que familiares da autora relataram, através de testemunhos. Os testemunhos, que serviram de base para um trabalho realizado no âmbito da disciplina de História A, 12º ano, foram recolhidos em vídeo, mas os nomes no conto foram alterados.